sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

 TEMPO, ESSES

Todos os anos aqui em casa o mês de dezembro valia por dois: ainda sem férias que seriam mesmo só a partir de janeiro, tantos compromissos todos tinham que trinta e um dias eram insuficientes para tudo que se queria fazer. Ainda mais que o Natal por aqui era literalmente festa. São caríssimas as lembranças do Natal sendo celebrado, cada um de muitos, de quando ainda havia crianças correndo, de quando havia jovens, e mesmo de quando muitos escolheram seus caminhos longe e vinham celebrar aqui, nessa casa construída para vivermos nela para sempre.
Costumo dizer que a vida é surpreendente, longa, longa a minha. E boa. De dias causticantes, hoje mudou para fresco e quando desci para preparar o meu café precisei colocar agasalho. Foi uma delicia rever a blusinha surrada esquecida atrás da porta. Cismando à mesa descobri o silêncio da cozinha, nem a música liguei, era antes das sete. Faltando um dia para a véspera do Natal, não marquei compromisso para a data quem dirá para as próximas. Nesse ano, ninguém virá. Dos remanescentes dos moradores, os de perto, dois têm compromissos em outras lugares. Fico eu, finalmente, pra regar as flores ou espantar aranhas. Mais, formigas, há fileiras delas pelos cantos, pelo pátio, nas folhagens: descobriram os vazios. Queria ter feito a faxina tanto há nos armários coisas que ninguém quer mais. Descobri, rindo, revendo cadernos bolorentos que eu estava tentando reter a vida como costumava ser. Ainda terei serviço para o ano: dou a mão à palmatória que ando mais devagar nesses tempos. Tempo presente. Tempo de presentes; o maior, memórias.
Quietinha no canto da mesa vejo desfilar pessoas e sons tudo tão vívido que quase os convido pro café. Chegam pessoas que riram, correram, choraram, viveram aqui afinal. Rostos lindos, tão amados, conversas, cantorias, gritos, ah, sacodem a quietude da manhã.
Tão confortável manhã que posso me demorar, nem as plantas tenho pressa de regar: a chuvinha da noite refrescou as folhas, o tempo, o mundo, meu coração.
Tempo bom, esse, de Natal.

sábado, 5 de agosto de 2023

 AINDA NÃO SEI

Questões eternas: quem sou, o que vim fazer nesse estado de ser vivo com espírito e cérebro pensante? Nessa manhã de sábado silenciosa porque liguei o Spotify bem pertinho não ouço o mundo lá fora, inusitadamente paro ouvindo música. Ontem fiz exames e meu coração bate razoavelmente certo, mas eis que depois do café hoje me apeteceu sentar pertinho da música, quietinha; as roupas sujas podem esperar. Agorinha quero fazer nada e cismar à toa na vida. E aí é que essas perguntas me alcançam e revejo uma estrada inacreditavelmente longa atrás de mim. Me encanto com essa história só minha, nada extraordinária. Me surpreendo com tanta beleza esse mundo me ofereceu, experiências únicas, e preciosas. Em meus sonhos mais arrojados não constam viver até esse tempo tão espetacular em que vivo nesse momento. Até as tragédias que vivi têm essa nuance de surpresa que me impediu de assimilar totalmente cada uma. Ri muito, sem vergonha, chorei, talvez mais, mas nem o riso nem o pranto me fizeram parar de viver como melhor pude. Mantenho um sonho ou outro na manga, sabe-se lá se há surpresas vindo por aí. Sei, entre montanhas de dúvidas, que ainda vou plantar flores, caminhar em tardes frescas, continuar observando as estações e viver bem cada uma, atrevidamente usar perfume, vou dançar, ler, escrever... porque mesmo que não tenha respostas, tenho todas as dúvidas do mundo, o que parece, afinal, são o que tornam a vida ainda mais espetacular.